Foto e Grafia: Marcos Mota |
Paulo Simonal de Oliveira Lima não estava preparado para morrer. Não naquela manhã.
Ele mirou os ponteiros de seu relógio e se sentiu aliviado por saber que não se atrasaria para a reunião do diretório acadêmico.
Embora todos os assentos do ônibus estivessem ocupados, os únicos passageiros estranhos por ali eram aqueles três homens, assentados distantes um do outro.
Simonal começou a pressentir a morte se aproximando, quando um dos indivíduos – o careca magro de olhos castanhos – se levantou e jogou a mão direita debaixo da blusa.
Com rapidez, e inesperado como um relâmpago, o assalto foi anunciado.
Desorientado, o motorista desacelerou o veículo, o trocador foi obrigado a abrir a tampa do caixa, e os passageiros começaram a pegar suas carteiras, relógios e pulseiras de ouro para entregarem ao meliante. O sentimento de impotência preencheu a atmosfera da lotação. Apreensão e angústia.
O segundo estranho, baixo e com cabelo até os ombros, saiu de seu assento no fundo e também sacou uma arma.
Nessa altura dos acontecimentos, uma senhora (que há um mês seguia quase que diariamente para a quimioterapia acompanhada de sua filha) começou a chorar alto, tapando a boca com as mãos. Um idoso sentiu um aperto no peito – ele estava tendo um princípio de infarto, mas não sabia.
Os dois bandidos gritavam com voz odiosa para que ninguém tentasse “fazer gracinha”, batiam a ponta de suas armas no suporte de teto do ônibus e tocavam o terror, obrigando todos a entregarem seus valores.
Com a face lívida, Paulo pensou no prejuízo que teria entregando seu iPhone e sua carteira. Tinha que acontecer logo naquele dia? O dinheiro que conseguira para comprar a maconha da semana estava lá, e não fora fácil consegui-lo. Que prejuízo!
Inesperadamente o ônibus sacolejou. O meliante de estatura baixa tentou se apoiar no encosto do banco ao lado de Paulo, porém não conseguiu impedir que sua arma disparasse. O estampido ensurdeceu, por segundos, Simonal, pois a bala raspara sua orelha, antes de quebrar a janela do outro lado e desaparecer.
Enquanto alguns passageiros se preocupavam com os estilhaços de vidro que caiam sobre eles e outros se abaixavam em suas cadeiras, sangue jorrou de um buraco feito na testa do assaltante careca de olhos castanhos e salpicou o teto do veículo.
Desesperado e com o coração descompassado, Simonal viu que fora o terceiro estranho passageiro, de pele e olhos negros, camisa Hering e cabelo raspado de máquina 1, que acertara o bandido. O segundo meliante foi igual e precisamente alvejado por ele, e ambos os corpos tombaram, manchando o piso de sangue.
Quando perceberam o que tinha ocorrido, todos respiraram aliviados dentro da lotação. A ameaça desaparecera. Todos recuperariam seus pertences. O risco de morte iminente cessara, por causa da presença de um homem, e de uma terceira arma.
O policial militar vestido de camisa Hering se identificou. Logo, seus colegas chegaram numa viatura e foram liberando os passageiros aos poucos, à medida que eram interrogados sobre o ocorrido e alguns dados eram anotados.
Paulo Simonal se atrasara para a reunião do diretório naquele dia. Contudo, recuperara seu dinheiro. E acima de qualquer coisa, não morrera naquela manhã.
Depois de apertar a mão de seus amigos e contar com brevidade o que sucedera, ele foi direto ao assunto: “o que ficou decidido na reunião?”
A resposta lhe foi dada com um ar de regozijo: “Segunda que vem faremos uma passeata histórica no centro da cidade. A maior parte do pessoal do jornalismo começará uma guerrilha no Facebook. E muitas alunas da psicologia distribuirão panfletos pelo campus. Trabalharemos pesado em prol da desmilitarização da polícia e pela manutenção da lei do desarmamento civil.”
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Foto por Marcos Mota |
Legal e uma realidade que acontece diariamente no nosso país, onde a certeza da impunidade é muita. Parabéns pelo seu trabalho e que Deus te abençoe.